
Crenças Limitantes
Escassez não é só sobre dinheiro. É um clima. Uma estação que se instala por dentro e faz verão parecer sempre distante. Ela sopra no ouvido como um vento fino: não sou suficiente, a vida é difícil, nunca sobra dinheiro, não há amor para mim, sempre vai faltar. E então o corpo aprende a encolher. Aprende a pedir pouco, a comemorar migalhas, a confundir atenção com afeto e urgência com importância. A vida vira racionamento: de riso, de descanso, de abraço.
Talvez isso tenha começado numa casa onde os elogios eram raros, onde o silêncio pesava mais que qualquer grito. Talvez num amor que prometeu mar e deu gota. Talvez em olhares que passavam por você como quem passa por uma vitrine: vê, deseja, não leva. E o coração, na tentativa de sobreviver, assinou pactos silenciosos: preciso merecer para ser amada, se eu me mostrar, vou ser rejeitada, o que é bom não dura. Foram frases que pareciam prudência, mas eram grades.
Quando a escassez é emocional, ela veste máscaras elegantes. Vira perfeccionismo, vira hiperindependência, vira piada feita na hora certa para ninguém notar a falta. Vira a crença de que sou demais ou sou de menos, de que não tenho espaço, de que os outros vêm primeiro. Vira a ideia ranhurada de que intimidade é risco: não posso confiar, se eu relaxar, algo ruim acontece, pedir é fraqueza. E assim, mesmo rodeada de gente, a alma caminha com um friozinho nas mãos, como quem atravessa a noite sem casaco.
Há também a escassez de tempo e de voz. Ela sussurra: é tarde demais, não posso ser quem sou, minhas necessidades atrapalham, minha alegria é exagero. Ela transforma o corpo em planilha, o desejo em horário, o sonho em tarefa. E quando a alegria chega, uma sombra passa por trás: se eu for feliz, algo ruim acontece. O riso volta ao bolso, o brilho, à gaveta.
Mas há um momento em que algo dentro de nós se cansa de sobreviver. Uma fome mais antiga do que o medo desperta. Não a fome de ter, e sim de caber. De pertencer à própria pele. De olhar para o espelho e reconhecer morada. É aí que a terapia se acende como um cômodo com luz morna — não para apagar a história, e sim para lê-la com olhos de quem sabe que tudo o que foi defesa um dia quis ser cuidado.
A terapia é o lugar onde essas sentenças em negrito podem finalmente ser lidas em voz alta, com tempo. Onde não sou suficiente encontra a pergunta: “Suficiente para quem?”. Onde não há amor para mim encontra a memória do amor que sustentou sua própria sobrevivência até aqui. Onde preciso merecer para ser amada descansa, só por um instante, e experimenta a possibilidade de ser recebida sem prova. É um espaço de tradução: do idioma da falta para o idioma da vida.
Nesse encontro, não há pressa. Há presença. Há uma cadeira que espera, um copo d’água, um suspiro que chega inteiro. Há histórias que ganham corpo, lágrimas que fazem sentido, risos que não pedem desculpa. Há um chão que suporta. E, aos poucos, o clima por dentro muda de estação. As mesmas ruas, a mesma rotina, mas outra temperatura. Em vez do velho mantra — o que é bom não dura — algo mais amplo se insinua: talvez eu dure no que é bom.
Se você leu até aqui e alguma coisa em você fez “é isso”, considere este texto um convite. Um primeiro gesto de carinho com a parte que sempre acreditou que não tem espaço. Venha com suas versões cansadas e suas perguntas sem resposta. Traga as frases que ainda apertam, inclusive as que dizem não devo pedir e não posso depender de ninguém. Há um lugar preparado para você. A terapia não promete atalhos; oferece caminho. E, no caminho, a chance de recontar sua história até que a vida caiba em você — e você caiba na vida — sem precisar encolher. Quando quiser, estarei aqui.